sexta-feira, 23 de abril de 2010

Com o Rodoanel, índios preveem disputa territorial no ABC

CIDADES/ABC
22/04/2010
Natália Fernandjes

A região do ABC poderá ser palco de uma disputa por terras tal como a ocorrida na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A possibilidade se dá a partir da redemarcação das terras ocupadas por duas aldeias Guarani, na divisa entre São Bernardo e São Paulo. Com a compensação ambiental feita pela Dersa após a construção do Trecho Leste do Rodoanel Mario Covas, parte da aldeia Krukutu passará a pertencer ao município do ABC.

O assunto foi discutido durante a V Semana dos Povos Indígenas, realizada entre os dias 12 e 17, em São Bernardo. Conforme explica o chefe da seção de difusão artístico cultural de São Bernardo, Kedley Correia de Moraes, é esperado um conflito de interesses no local em breve. "Com a chegada do Rodoanel, a área sofreu uma valorização imobiliária e isso pode causar conflitos", explica. Para Moraes, o lado não indígena das partes envolvidas certamente questionará os laudos técnicos para a redefinição das áreas.

Essa definição das terras Guarani é uma discussão antiga e, segundo Moraes, ganhou novo enfoque nos últimos anos. "A partir de 1988 essa forma de divisão das terras indígenas passou a ser vista com coerência. Houve um estudo antropológico sobre as comunidades e a partir desse novo entendimento da vida social e econômica das aldeias, parte deste povoado guarani ficará em território do município de São Bernardo", esclarece.

O chefe da seção de difusão artístico cultural de São Bernardo destaca ainda que para as lideranças indígenas presentes no evento é mais simples fazer uso dos serviços públicos de São Bernardo. "Para eles São Bernardo é um pouco mais perto do que Santo Amaro, apesar de ser longe", observa. Com isso, pode haver um aumento na demanda por serviços no município. "Os índios não conhecem fronteira. Se há uma necessidade eles vão buscar seja do lado de cá ou de lá. Não vejo problemas quanto ao atendimento pelo município de São Bernardo, mesmo porque de certa forma eles já utilizam os serviços básicos da cidade", completa.

Outras discussões
Além de discutir a redemarcação das terras Guarani, a V Semana dos Povos Indígenas contou com o I Fórum Indígena de São Bernardo. O resultado do evento foi a elaboração de 17 propostas elaboradas pelas lideranças indígenas e repassadas a Prefeitura. "A principal reivindicação é a questão do trabalho e renda. Muitos índios estão inseridos no mercado de trabalho e atuam na área da construção civil, como empregadas domésticas, mas boa parte deles ainda sobrevive do artesanato e da venda de ervas medicinais. Eles desejam a criação de uma feira de cultura e arte indígena e vamos analisar essa possibilidade nos próximos meses", revela Moraes.

As lideranças regionais expressaram no evento seu ponto de vista sobre diversos temas, como saúde, cultura, educação, trabalho. "Eles querem espaço para desenvolver práticas culturais, religiosas e pleiteiam um posto da Funasa no ABC. A gente vai dar um encaminhamento tanto nas demandas que competem ao município quanto às demandas federais", diz. No próximo dia 19 de junho será realizado um novo encontro para observar o retorno dessas 17 reivindicações encaminhadas no Fórum. "Esperamos que essas reuniões sejam realizadas constantemente", finaliza Moraes.

Questão fundiária é principal reivindicação dos Guarani

A conquista de um território próprio sempre foi o principal foco da Comissão Nacional das Terras Guarani Yvy Rupa, criada em março de 2007. Conforme explica o coordenador da Comissão, o índio da etnia Guarani, Marcos Tupã, esta difícil e demorada "luta" consiste em cobrar dos órgãos competentes resultados para suas reivindicações.

Presentes nas regiões sul e sudeste, os Guarani são a maior população indígena do Estado de São Paulo: com cerca de 4 mil índios distribuídos em aproximadamente 32 terras indígenas, sendo que destas apenas 40% são regularizadas. "É uma luta muito grande. Uma questão de princípio. Nós somos os povos originários da chamada terra Brasil e deveríamos ter nossos direitos que estão escritos na Constituição de 88 e também outros direitos internacionais respeitados", destaca.

O líder guarani, atualmente com 40 anos, desde cedo participa de discussões que dizem respeito ao seu povo. "Sempre estivemos na região da Mata Atlântica, na região litorânea. Nasci na aldeia Boa Vista em Ubatuba e como filho do cacique sempre acompanhei os trabalhos", conta Tupã, que hoje mora na aldeia Krukutu, em Parelheiros.

Outro trabalho em que Tupã atua como líder de seu povo é na Comissão Nacional de Políticas Indigenistas. A tarefa é representar os seguintes grupos indígenas da região sudeste: Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Terena, Kaingang, Krenak, Pankararu, além dos povos que estão na cidade. Segundo ele, a comissão discute temas relacionados à saúde, educação e também ao empreendedorismo dos índios. "Além de acompanhar a situação desses seis povos da região sudeste, temos o projeto de criar um conselho nacional de políticas indigenistas", observa.
Repórter Diário

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