domingo, 29 de maio de 2011

Mais sangue na floresta

O mundo condena as mudanças da lei ambiental em curso no Brasil e o assassinato de seringueiros que eram considerados sucessores de Chico Mendes

Sérgio Pardellas

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PISTOLAGEM
A morte de José Cláudio Ribeiro da Silva e sua mulher,
Maria do Espírito Santo, revoltam o Pará

No mesmo dia em que, em Brasília, os deputados votavam um Código Florestal adequado ao gosto dos ruralistas, em Nova Ipixuna, no sudoeste do Pará, um casal de seringueiros que lutava pela preservação da Amazônia era assassinado. O crime chocou o País e revelou mais uma vez que os conflitos no campo precisam ser tratados com mais responsabilidade no Brasil. José Cláudio Ribeiro da Silva e sua mulher, Maria do Espírito Santo da Silva, as vítimas da pistolagem, eram considerados os principais sucessores de Chico Mendes, o líder ambientalista assassinado em 1988. Há três anos eles denunciavam a extração irregular de madeira para a produção de carvão e a transformação de áreas de preservação em pasto. Ao enfrentar os madeireiros, o casal virou alvo. Em Nova Ipixuna, os assentados sabiam que era oferecida uma recompensa em dinheiro vivo para quem eliminasse os extrativistas. Não por acaso, antes de fugirem, os pistoleiros arrancaram parte de uma das orelhas de José Cláudio. A prática, que remete ao período feudal, normalmente utilizada como punição a negros fugitivos, serviu para os assassinos apresentarem a prova do serviço ao mandante. “O Pará está de luto. Perdemos os mais ardorosos defensores da nossa floresta”, lamentou a deputada Bernadete Ten Caten (PT-PA).

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Não foi a única derrota dos ambientalistas na terça-feira 24. À noite, a Câmara dos Deputados aprovou por 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção o projeto que altera o Código Florestal. O texto defendido pela bancada ruralista segue para o Senado, onde aliados do governo trabalharão para alterar pontos polêmicos aprovados na Câmara. Caso a bancada governista não obtenha êxito, a presidente Dilma Rousseff antecipou que vetará alguns artigos da matéria. Entre eles, o que confere aos Estados a prerrogativa de definir áreas de preservação e o que permite a redução da Reserva Legal da Amazônia em 30 pontos percentuais.

No Pará, a polícia apurou que José Cláudio e Maria foram cercados por pistoleiros quando cruzavam uma ponte, logo depois de terem saído do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da cidade. Ali, eles foram executados a tiros, num desfecho trágico mais do que anunciado. Em novembro do ano passado, durante palestra em Manaus, José Cláudio vaticinou a própria morte. “Vivo com a bala na cabeça a qualquer hora. Posso estar hoje aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia de que eu desapareci”, disse o ambientalista. O nome dele e o de Maria constavam do levantamento de 58 pessoas ameaçadas, feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que registrou o Pará como o campeão de mortes por conflito agrário no País no ano passado. Em 2010, foram 18. Em 2009, oito.

O casal integrava o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, ONG fundada pelo ambientalista Chico Mendes. Eles moravam em Nova Ipixuna havia 24 anos, onde desenvolviam um trabalho de exploração sustentável da mata com 500 famílias. José Cláudio dizia amar a floresta e queria que suas cinzas fossem enterradas junto da Majestade – como é chamada a imponente castanheira que ainda está de pé, dentro do seu lote. Ao saber do crime, a presidente Dilma Rousseff determinou que a Polícia Federal entrasse no caso. No fim da semana, a força policial designada para investigar o episódio começou a ouvir parentes e amigos das vítimas. Para o secretário de Segurança do Pará, Luiz Fernandes Rocha, o trabalho em conjunto entre as Polícias Civil, Militar e Federal dará celeridade às investigações. “A população do Pará e do Brasil pode ficar tranquila, porque esse crime não ficará impune”, prometeu Rocha.

Apesar das reiteradas promessas, a radiografia da violência no campo é alarmante e mostra como o tema merece prioridade por parte das autoridades. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que faz acompanhamento dos conflitos agrários, revelam que 1.581 pessoas foram assassinadas no Brasil nos últimos 25 anos. O levantamento foi mencionado esta semana pelos jornais americanos “The New York Times” e o “Washington Post”, que deram destaque à notícia do assassinato dos ambientalistas brasileiros. Já o “The Guardian”, da Inglaterra, lembrou da morte Chico Mendes, comparando-o a José Cláudio. A rádio BBC de Londres, por sua vez, enfatizou o fato de o crime ter ocorrido em meio ao debate do novo Código Florestal no Congresso. Para especialistas, o texto aprovado na Câmara e encaminhado para apreciação do Senado não resolve a delicada questão. Pelo contrário. Na avaliação do bispo dom Ladislau Biernaski, presidente da Pastoral da Terra, a matéria aprovada na Câmara fará crescer ainda mais o número de mortes geradas por conflitos agrários. “Certamente isso irá acontecer, caso vire lei”, disse.

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